top of page
Foto do escritorDr. Luiz H. Casale

Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa n.º 14.230/2021: Impactos e Desafios



1. Contextualização Recentemente, aos 25 de outubro de 2021, foi publicada a Lei n. 14.230, que alterou sensivelmente a Lei n. 8429, de 02 de junho de 1992 (LIA), a qual dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, além de conceituar e definir os atos de improbidade administrativa.


Como se sabe, os atos de improbidade implicam, além da responsabilização civil (judicial), a instauração de processos administrativos disciplinares, uma vez que a Lei n. 8.112, de 1990, prevê, em seu artigo 132, inciso IV, a penalidade de demissão ao servidor público que pratique ato de improbidade. Entretanto, o estatuto do servidor não conceitua improbidade, o que nos remete às definições da Lei n. 8.429, de 1992, que sofreram alterações.


A nova Lei de Improbidade Administrativa caracterizou o ato de improbidade como a conduta funcional dolosa do agente público devidamente tipificada em lei, revestida de fins ilícitos e que tenha o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (vide artigos 1º, §§1º, 2º e 3º, e 11, §§1º e 2º).


Alguns atos que anteriormente eram considerados ímprobos e fundamentavam demissões calcadas no artigo 132, IV, da Lei n. 8.112, de 1990, passaram a demandar capitulação disciplinar diversa, diante das mudanças no texto legal.


Ao mesmo tempo, o §4º do artigo 1º da LIA, recém incluído, inegavelmente associa o diploma ao direito processual disciplinar, na medida em que dispõe: Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.


Portanto, já começamos a enfrentar, nas análises dos processos administrativos disciplinares, os desafios das alterações sofridas pela LIA. Sem a pretensão de esgotar o tema, irei discorrer sobre os principais pontos que impactam nossa atuação.


1.1 Principais Alterações


I) Sistematização da tutela da probidade administrativa – art. 1º, caput: “O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.”


II) Inclusão expressa dos princípios do direito administrativo sancionador – art. 1º, § 4º: “Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.”


III) Exclusão da modalidade culposa (art. 10, caput); particulares idem (art. 3º, caput).


IV) Inclusão da necessidade de dolo genérico (art. 1º, § 1º, e outros dispositivos) e específico? (art. 1º, §§ 2º e 3º): “§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.”


V) Inclusão de rol taxativo no art. 11.


VI) Alteração dos prazos prescricionais (art. 23).


VII) Supressão da fase de notificação prévia (art. 17, § 7º).


VIII) Conversão da ação de improbidade em ACP – art. 17, § 16: “A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.”


IX) Regulamentação do ANPC (art. 17-B).


X) Inclusão da necessidade de efetivo dano ao erário (art. 10, caput); STJ permita dano presumido no inc. VIII.


XI) Exclusão da multa da indisponibilidade de bens – art. 16, § 10: “A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.”


XII) Fim do periculum in mora presumido na indisponibilidade de bens (art. 16, § 3º): risco de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo.


XIII) Criação da improbidade administrativa de menor potencial ofensivo – art. 12, § 5º: “No caso de atos de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados por esta Lei, a sanção limitar-se-á à aplicação de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano e da perda dos valores obtidos, quando for o caso, nos termos do caput deste artigo.”


XIV) Comunicação da absolvição criminal em qualquer caso – art. 21, § 4º: “A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).”


XV) Exclusão do fundo partidário – art. 23-C: “Atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.”


XVI) Direito intertemporal – Tema 1.199 STF:


  1. É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

  2. A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

  3. A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

  4. O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.


XVII) Legitimidade: ADIs 7.042 e 7.043.


2. Principais impactos da Lei Nº. 14.320, DE 2021, na análise de Processos Administrativos Disciplinares


Primeiramente, danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não podem mais ser configurados como atos de improbidade, pois a lei passou a contar com texto expresso no sentido da exigência de dolo para responsabilização por improbidade. Anteriormente, a atuação culposa também poderia ensejar punição nesse sentido.


Com efeito, essa já era uma tendência bastante forte na doutrina e jurisprudência, de modo que o novo marco legal veio apenas a consagrar a regra. Os dispositivos que incluíam a culpa como elemento subjetivo do tipo da improbidade foram todos modificados para deixar apenas a ação ou omissão dolosa. Bem assim, o dolo genérico não é mais admitido, pois a finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade passou a ser explícita no texto legal.


Assim, com o advento da Lei n. 14.230, de 2021, para que seja considerado ímprobo, o ato deve derivar de vontade livre e consciente do agente público de causar algum tipo de prejuízo ao erário, ferir os princípios da Administração Pública ou enriquecer ilicitamente, não bastando a voluntariedade ou o mero exercício da função. Também ficou explícito na nova redação que não pode ser punida como improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência na interpretação da lei.


A conceituação do instituto é cara ao direito disciplinar, pois como dito, é necessário utilizar as definições da LIA para enquadrar infrações administrativas no artigo 132, IV, da Lei n. 8.112, de 1990. Daí o impacto que tais alterações causam na condução e julgamento de processos disciplinares.


Os artigos 9º e 10 da LIA, que estabelecem os atos de improbidade que importam prejuízo ao erário, tiveram suas redações modificadas para excluir a possibilidade de condenação culposa, mantendo rol exemplificativo de condutas que se enquadram na descrição do caput.


Entretanto, a prática vem demonstrando que a alteração que mais impacta a análise de procedimentos disciplinares é aquela promovida no artigo 11 da Lei, que conceitua o ato de improbidade administrativa por violação a princípio.

Tratava-se do chamado de ato de improbidade administrativa stricto sensu, utilizado como fundamento da quase totalidade de punições por improbidade na esfera administrativa disciplinar.


Vejamos a redação anterior do artigo 11 da Lei de Improbidade:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.

Como se vê, tratava-se de conceituação aberta, calcada no malferimento a princípios da Administração Pública, seguida de rol exemplificativo de condutas que poderiam configurar, em tese, improbidade.


Assim, para caracterização do ato de improbidade, não era necessário prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito do agente, bastava que fosse demonstrada a violação a um princípio administrativo constitucional. E como em sede disciplinar não é comum a quantificação de prejuízo e a mensuração financeira de danos e favorecimentos ilícitos, a utilização do artigo 11 era comum em casos de corrupção.


Contudo, o novo marco legal assim passou a prever:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000) (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência) IX - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) X - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 3º O enquadramento de conduta funcional na categoria de que trata este artigo pressupõe a demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública, com a indicação das normas constitucionais, legais ou infralegais violadas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 4º Os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 5º Não se configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) (destacamos)

A nova redação continua possibilitando a caracterização de improbidade por desobediência a princípios da Administração Pública, porém especifica em quais casos poderá haver o enquadramento.


Dessa forma, os incisos do artigo 11, que anteriormente traziam exemplos de condutas ímprobas, passaram a prever taxativamente as hipóteses em que o malferimento a princípios da Administração Pública classifica-se como improbidade. Além disso, algumas previsões constantes do rol exemplificativo anterior foram excluídas.


Portanto, para que o acusado seja condenado nos termos no artigo 132, IV, da Lei n, 8.112, de 1990, com base no artigo 11 da Lei n. 8.429, de 1992, os atos investigados no processo administrativo disciplinar devem ser enquadrados exatamente em um ou mais incisos do dispositivo.


Nos casos em que resta caracterizada conduta inadequada, imoral ou desleal, que todavia não esteja abarcada pelas hipóteses citadas no artigo 11 da LIA, a comissão da PAD não poderá fazer o enquadramento em improbidade administrativa. A nova redação do dispositivo significa grande impacto nos atos violadores de princípios da administração pública em que não haja provas de enriquecimento ilícito, devido à taxatividade imposta pelo novo dispositivo.


Inúmeros eram os casos em que a falta de moralidade e/ou deslealdade do servidor lhe rendia a demissão por improbidade. Esclarecemos: a demissão continua sendo plenamente possível por malferimento a princípios da Administração Pública. Todavia, se não houver em tais condutas a constatação de prejuízo ao erário ou enquadramento em um dos incisos do artigo 11 da LIA, a condenação por improbidade não terá fundamento.


Ocorre que, como dito, na maior parte dos casos, é inviável a quantificação de prejuízos em sede disciplinar, de modo que também restarão sensivelmente reduzidas as condenações por improbidade que dependam dessa comprovação.


Bem assim, apesar da possibilidade de apuração de enriquecimento ilícito, por meio de sindicância patrimonial, o aparato de que dispõe a Administração Pública para tal mister não permite aprofundamento e por vezes as investigações são frustradas por falta de meios.

Por tais razões, já existe doutrina defendendo que não se pode mais cogitar a configuração de ato de improbidade em sede administrativa:

Pois bem, não se estando mais diante de um regime jurídico que permitia a caracterização do ato de improbidade quando constatado o elemento subjetivo dolo genérico na conduta do agente, é preciso ter em mente que o novo marco legal traz a necessidade de uma maior sofisticação e esmero na instrução dos processos penaliformes que são instaurados para apurar a prática de atos pretensamente ímprobos.


À luz da nova Lei de Improbidade Administrativa, as mesmas fragilidades no contraditório e na ampla defesa apontadas pelo STF nos processos que tramitam nos Tribunais de Contas (e que inclusive levaram o Supremo a afirmar no julgamento do RE 636.886/AL que as cortes de contas não têm poder para imputar a prática de improbidade) estão igualmente presentes nos processos administrativos disciplinares que aplicam as penalidades de demissão calcadas na ocorrência de improbidade.


Como na esfera administrativa não há um terceiro imparcial e equidistante entre as pretensões das partes, esse redesenho da configuração do ato de improbidade promovido pela Lei nº 14.230/2021 claramente demanda a necessidade de que a mesma somente ocorra em juízo, e não administrativamente.


Militar em sentido contrário seria admitir a existência de duas espécies de atos ímprobos: os configurados após apuração em juízo em que se avaliou adequadamente a existência de dolo específico e os configurados após mera apuração em sede administrativa, em que a aferição do dolo é feita por um ente que acumula as funções de instrução, acusação e julgamento.


Portanto, não nos parece uma solução aceitável ignorar o overruling da Súmula 651/STJ, vez que ela é claramente infensa ao novo paradigma trazido pela Lei nº 14.230/2021.

A nosso ver, ainda é muito cedo para abolir a possibilidade de condenação administrativo-disciplinar por ato de improbidade. Porém, é certo que o novo marco legal traz a necessidade de maior sofisticação e primor na instrução dos processos instaurados para apurar a prática de atos supostamente ímprobos, sob pena de haver grandes dificuldades para seu enquadramento ao final do apuratório.


3. Acordo de não Persecução Civil:


Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os seguintes resultados:(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - o integral ressarcimento do dano;(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo dependerá, cumulativamente:(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - da oitiva do ente federativo lesado, em momento anterior ou posterior à propositura da ação;(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo órgão do Ministério Público competente para apreciar as promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao ajuizamento da ação;(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - de homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo considerará a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias.     (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito, no curso da ação de improbidade ou no momento da execução da sentença condenatória.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público, de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu defensor.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como de outras medidas em favor do interesse público e de boas práticas administrativas.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos, contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo descumprimento.(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Como funciona o acordo de não persecução cível


A principal vantagem do acordo é que, uma vez homologado e cumprido, fica encerrada a ação de improbidade administrativa e extinta a punibilidade do agente pelos atos de improbidade ali debatidos. A depender do momento em que é entabulado, o acordo pode evitar medidas constritivas de patrimônio e, em geral, implica resolução bem mais célere quando comparado com o curso de uma ação de improbidade completa. O acordo, no entanto, é limitado à ação de improbidade e não implicará afastamento de eventual responsabilidade cível ou criminal decorrente dos fatos debatidos na ação extinta.


A proposta pode ser oferecida pelo Ministério Público tanto no curso da investigação quanto já durante a ação de improbidade ou ainda no momento da execução de sentença condenatória (artigo 17-B,§4º). Ao propor o acordo, o Ministério Público avaliará a personalidade do agente, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato, bem como as vantagens de uma solução rápida do caso (artigo 17-B, §2º). Entre as condições estão, obrigatoriamente, o integral ressarcimento do dano e a reversão da vantagem indevidamente obtida (artigo 17-B, I e II). O valor do dano será apurado com base em exposição do Tribunal de Contas competente (artigo 17-B, §3º). Outras condições também podem ser negociadas, como a adoção de mecanismos de governança e boas práticas corporativas (artigo 17-B, §6º).


Em caso de descumprimento, a lei determina que o agente não poderá entabular novo acordo pelo prazo de cinco anos, contados da data da ciência da violação (artigo 17-B, §7º). É possível que, dos termos propostos, decorra ainda alguma outra consequência do inadimplemento, como a imposição de cláusula penal.


Quais são as dificuldades?

Apesar de representar um avanço na normativa referente ao acordo de não persecução cível, as reformas promovidas pela Lei 14.230/21 ainda não esclarecem pontos relevantes que podem influenciar o grau de interesse dos agentes privados no acordo. Na ausência de previsão legal que aponte melhor esses pontos, multiplicam-se as portarias e orientações internas nos mais variados órgãos públicos, como o Ministério Público dos estados e federal, e ainda a advocacia geral dos estados e da União.


Essa diversidade de orientações não promove a difusão do acordo, mas acaba reduzindo a previsibilidade e segurança jurídica do pactuado. Pode-se inclusive levantar dúvidas sobre a competência desses órgãos internos para regulamentar a matéria, como ocorreu no caso da Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público sobre o equivalente penal do acordo cível.


Ilustrativamente, um dos pontos que podem concretamente influenciar o grau de interesse dos agentes privados na realização do acordo é o requisito da confissão expressa. Não está previsto na Lei de Improbidade Administrativa que o agente deve confessar a prática dos atos de improbidade para acessar o acordo de não persecução cível. Mas é possível condicionar o acordo à admissão da participação em atos de improbidade? O questionamento surge na medida em que o equivalente penal ao acordo cível exige, expressamente, a confissão do agente (artigo 28-A, Código de Processo Penal). A própria Advocacia-Geral da União, na Portaria Normativa nº 18, de 16 de julho de 2021, indicou como um dos requisitos do acordo a "admissão da participação nos atos ilícitos" (artigo 5º, I). Porém, é no mínimo controverso condicionar o acordo a um requisito que não foi expresso em lei e que não tem correspondente em qualquer das sanções já elencadas na Lei de Improbidade Administrativa.

Espécies:


a) acordo antes da propositura da ação, no inquérito civil;


b) transação/reconhecimento durante a ação ou no cumprimento. Até após o trânsito em julgado.


Em suma, o acordo de não persecução cível é um instrumento de consensualidade promissor que seria consideravelmente beneficiado por disposições legais ainda mais específicas. Porém, na ausência dessas disposições, é preciso conduzir a negociação dos termos do acordo de forma a proporcionar vantagens reais aos agentes acusados de envolvimento em atos de improbidade ao mesmo tempo em que se promove a utilidade pública do acordo.

5. Prazo prescricional e retroatividade da Lei mais Benéfica

A Lei n. 14.320, de 2021, efetivou, ainda, modificação no prazo prescricional para apuração de atos de improbidade, que aumentou de cinco para oito anos. Como muitas vezes se tratam de eventos de investigação complexa, esse aumento de prazo favorece a apuração e repressão das infrações.


Quanto à retroatividade da norma mais benéfica, não houve tempo hábil para a formação de jurisprudência, mas, a nosso sentir, a melhor cautela determina que feitos nos quais já houve julgamento pela autoridade julgadora não retroajam, pois o enquadramento foi realizado com base em norma em vigor à época da decisão. No ponto, vale esclarecer que não é necessário o esgotamento das vias recursais (trânsito em julgado), pois na esfera administrativa vige o princípio da autoexecutoriedade.


Entretanto, no que toca a fatos praticados e/ou aos processos iniciados sob a égide anterior, porém ainda pendentes de julgamento, deverão ser analisados com base nas disposições da nova redação da LIA, devendo a norma retroagir nesse ponto, por força do Princípio Constitucional da retroatividade da lei sancionadora mais benéfica.


4. Conclusão Como se percebe, o impacto das alterações na Lei de Improbidade, promovidas pela Lei n. 14.230, de 2021, foi grande e significativo nas análises de processos administrativos disciplinares, demandando por parte do parecerista perspectiva jurídica distinta da lógica que vinha sendo há muito aplicada.


A ótica do enriquecimento ilícito e/ou prejuízo ao erário ganhou especial relevo para a caracterização da improbidade, relegando a poucos casos, taxativos na Lei, a condenação por improbidade calcada somente no malferimento a princípios da Administração Pública, o que reduz significativamente as possibilidades de condenação administrativa por atos de improbidade nesta hipótese de descumprimento de princípios.


De toda forma, os desafios apenas começaram. Esperamos que as comissões de PAD adaptem-se rapidamente ao novo marco legal, e que possamos todos trabalhar em conjunto para o alcance de um processo disciplinar justo e sempre mais condizente com as garantias constitucionais e leis pátrias.




Fontes:


Ministério da Infraestrutura - Juliana S. B. de Melo Sant’Ana, Procuradora Federal desde 2008.

BARBOSA, Renato Kim. Corrupção e Dano Social: Análise da Responsabilidade Civil inclusive na Nova Lei de Improbidade Administrativa. São Paulo: Almedina, 2022.

BARBOSA, Renato Kim; COSTA, Rafael de Oliveira. Nova Lei de Improbidade Administrativa: De Acordo com a Lei n. 14.230/2021. São Paulo: Almedina, 2022.

Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14230.htm

https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/conjur/nova-lei-de-improbidade

https://www.conjur.com.br/2022-jan-09/drummond-acordo-nao-persecucao-civel-improbidade

115 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

留言


bottom of page