TUTELA
Sílvio Rodrigues conceitua a tutela como “um instituto de nítido caráter assistencial e que visa substituir o poder familiar em face das pessoas cujos pais faleceram ou foram julgados ausentes, ou ainda quando foram suspensos ou destituídos daquele poder.”
Nesse mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa diz que a tutela, assim como a curatela, é um instituto que objetiva suprir incapacidades de fato e de direito de pessoas que não têm e que necessitam de proteção. Já, para Caio Mário da Silva Pereira, “consiste no encargo ou munus conferidos a alguém para que dirija a pessoa e administre os bens de menores de idade que não incide no poder familiar do pai ou da mãe.”
A tutela tem fundamento legal no artigo 1.728 do Código Civil:
Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:
I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;
II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.
Os tutores exercem o poder familiar sempre que os pais estiverem ausentes ou incapacitados de fazê-lo. Se um dos pais falecer, o poder familiar continuará concentrado no outro cônjuge. Porém, se ambos falecerem, o Estado transferirá o poder familiar a um terceiro, que é o tutor.
A tutela, nas palavras de Venosa, é “instituição supletiva do poder familiar”. Isso quer dizer que ela suplementa o poder parental quando da ausência dos pais ou da suspensão do poder deles. O artigo 1.729 dispõe da nomeação do tutor, que é restringido aos pais, em conjunto:
Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto.
Parágrafo único. A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.
O legislador quis que os pais fossem aqueles que decidirão o melhor para seus filhos, buscando indicar para o desempenho do munus uma pessoa capaz de proteger, amar, cuidar das crianças ou adolescentes como se pais fossem, dando continuidade ao carinho e à proteção que aquele que nomeia, pai ou mãe, dedica aos seus amados.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou pelo melhor interesse dos tutelados:
TUTELA. MELHOR INTERESSE DOS TUTELADOS. Adequada se mostra a alteração do tutor quando há fortes indícios no sentido de que vem ele gerando prejuízos ao desenvolvimento educacional, moral e patrimonial dos tutelados. (Agravo de Instrumento Nº 70016654832, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 18/10/2006).
Todavia, é imposto a ambos, pai e mãe, conjuntamente, a nomeação de tutor a seus filhos, suprimindo a possibilidade, consagrada na lei anterior, de inicialmente caber ao pai e, sucessivamente, à mãe a instituição de tutor de seu agrado. A decisão, assim, deverá ser adotada por ambos, de comum acordo.
1.2 ESPÉCIES DE TUTELA
Há, segundo a posição doutrinária de Sílvio Rodrigues, três espécies de tutela, a saber: testamentária, legítima e dativa.
1.2.1 TUTELA TESTAMENTÁRIA
É quando o tutor, escolhido pelos pais, é indicado no testamento ou documento autêntico. Documento autêntico pode ser entendido como todo aquele que não deixa dúvidas quanto à nomeação do tutor e a identidade do signatário.
Porém, existem dois requisitos para que esta espécie de tutela tenha eficácia: a) que o outro cônjuge não possa exercer o poder familiar, b) que aquele que nomeia o tutor esteja no exercício do poder familiar ao tempo de sua morte, conforme artigo 1.730 do CC.
1.2.2 TUTELA LEGÍTIMA
É a que se dá na falta da testamentária6, ou seja, não havendo sido um tutor nomeado pelos pais, o artigo 1.731 do mesmo Código, elenca os parentes consanguíneos aos quais pode ser incumbida a tutela, na seguinte ordem:
Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor, por esta ordem:
I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;
II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor.
1.2.3 TUTELA DATIVA
É aquela derivada de sentença judicial, quando não há tutor testamentário ou legítimo, ou então quando eles forem escusados ou excluídos da tutela, conforme artigo 1.732:
Art. 1.732. O juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do menor:
I - na falta de tutor testamentário ou legítimo;
II - quando estes forem excluídos ou escusados da tutela;
III - quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o testamentário.
No caso de irmãos órfãos, dispõe o artigo 1.733:
Art. 1.733. Aos irmãos órfãos dar-se-á um só tutor.
§ 1º No caso de ser nomeado mais de um tutor por disposição testamentária sem indicação de precedência, entende-se que a tutela foi cometida ao primeiro, e que os outros lhe sucederão pela ordem de nomeação, se ocorrer morte, incapacidade, escusa ou qualquer outro impedimento.
§ 2º Quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe curador especial para os bens deixados, ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela.
Pela redação do artigo referido, presume-se que o legislador quis manter juntos os irmãos que perderam seus pais.
1.3 INCAPAZES DE EXERCER A TUTELA
O artigo 1.735 enumera os incapazes de exercer o instituto da tutela, quais sejam aqueles que não podem administrar seus próprios bens, ou pessoas desonestas a quem seria temerário confiar a administração de valores de terceiros, e ainda pessoas que, devido a uma determinada relação com o menor, apenas não podem ser tutores daquele incapaz, mas podem o ser de outros:
Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam:
I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;
II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor;
III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela;
CURATELA
Igualmente à tutela, a curatela é, também, um instituto de interesse público, “um encargo imposto pelo Estado em benefício coletivo”. Porém, a diferença é que ela serve para reger a pessoa e administrar os bens de pessoas maiores incapazes, em função de moléstia, prodigalidade ou até ausência. Nas lições de Caio Mário da Silva Pereira, “incidem na curatela todos aqueles que, por motivos de ordem patológica ou acidental, congênita ou adquirida, não estão em condições de dirigir a sua pessoa ou administrar os seus bens, posto que maiores de idade.”
O artigo 1.767 elenca quem são as pessoas sujeitas à curatela, inclusive o nascituro:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.
Decidiu em face da modalidade de curatela provisória o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERDIÇÃO. ENFERMIDADE PSIQUIÁTRICA E PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. MODALIDADE ESPECIAL DE CURATELA. CURATELA PROVISÓRIA. CABIMENTO. Em sendo a interdita nda enferma e portadora de deficiência física, no caso, aplica-se a nova modalidade de curatela especial prevista no inc. I do art. 1.767 do Código Civil. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70016457897, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 27/09/2006).
A curatela do nascituro tem fulcro no artigo 1.779:
Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.
O nascituro e seus bens também devem ser protegidos pelo ordenamento jurídico.
2.1 REQUISITOS DA CURATELA
Existem dois requisitos para que a curatela seja deferida – a incapacidade e decisão judicial. Só será concedida a curatela mediante prévia decretação do juiz.
2.2 ESPÉCIES DE CURATELA
Conforme a doutrina de Venosa, são sete as espécies de curatela: as cinco elencadas no artigo 1.767; a do nascituro, no 1.779 e a do enfermo ou portador de deficiência física, no artigo 1.780.
Da mesma forma que a tutela, a curatela também pode ser legítima, testamentária ou dativa. Também se aplicam à curatela as regras pertinentes ao exercício da tutela, com exceção do artigo 1.782, que dispõe:
Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.
As regras que dizem respeito à incapacidade para o exercício da curatela, as escusas e incumbências do curador, são as mesmas às atinentes à tutela.
2.3 CESSAÇÃO DA CURATELA
No caso do incapaz, cessa a curatela quando sua integridade se recobrar. Para o pródigo, será levantada a curatela quando a incapacidade que o determinou cessar. “A deficiência mental pode desaparecer, o ébrio ou o toxicômano podem curar-se, assim como pode o surdo-mudo, mediante educação apropriada, adquirir capacidade de entendimento.” O próprio Código Civil permite tal assertiva:
Art. 1.186 - Levantar-se-á a Interdição, cessando a causa que a determinou.
§ 1º - O pedido de levantamento poderá ser feito pelo interditado e será apensado aos autos da interdição. O juiz nomeará perito para proceder ao exame de sanidade no interditado e após a apresentação do laudo designará audiência de instrução e julgamento.
§ 2º - Acolhido o pedido, o juiz decretará o levantamento da interdição e mandará publicar a sentença, após o transito em julgado, pela imprensa local e órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no Registro de Pessoas Naturais.
“Cessada a incapacidade, poderá ser levantada a interdição, mediante pedido formulado pelo próprio interessado.”
REFERÊNCIAS
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 398.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 443.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 443.
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